quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Vinte minutos

   Vinte para as dez, um relógio, com o pêndulo oscilante... desprendido do tempo. Uma dama de vinte anos talvez, presa a entrada e virada de anos que nem sabe sua idade. Nem sempre a idade está na vivência, mas na alma. Na alma daquele ser que grita e festeja com vitórias recheadas de medo.
   Num século chamado XX onde o querer se tornava sonhos... um sonho de tempo e vitórias. Essa dama caminhando pela sala de sua casa, e mastigando alguma coisa anônima em sua boca... algo tão desgostoso como sua vida. Mas que provoca algo que o relógio não produz [...] Enquanto sua mastigação massante esmaga a sua substância anônima e garante o passar do tempo para aquela coisa, a mulher vê que o pêndulo de seu relógio não provoca o mesmo com sua vida... apesar do tempo passar [...ele não passa...]
 Dez horas, vinte minutos dos que precisavam passar para fazê-la sair de sua casa e ir caminhar na escuridão da noite. Ela fica indignada com sua audácia de querer passear a essas horas. [Nessas circunstâncias]. Desolé. Não se controla essa mulher... um ser cativante diante do espelho... um ser moldado da pureza, mas que queria vento... e foi buscar vento. Quando está a sair seu marido chega e lhe interpela pela sua saída àquelas horas. Ela tinha medo, sabia que independente de como ele chegasse ele a tocaria da forma bruta... a espancaria. O sujeito, dotado de vigoração que sabia ser alguém opaco, misterioso tinha uma raiva dos tempos que se viviam e descontava sua alcoólica melancolia por tempos passados, em sua esposa. A mulher apavorada sobe de volta para a casa com seu marido. Ele não a deixa nem explicar e a mostra o quão é sua força depois de um dia de trabalho... esbofeteia a face da dama de forma delicada, de forma brutalmente delicada, encostando sua mão na parte superior de seu rosto e deixando uma marca perto dos olhos... Depois de horas em castigo ditatório... ele oma sua última gota de vinho e vai deitar-se... a mulher, jogada no chão, sem conseguir se mexer. Toca as pontas dos dedos no tapete... vê que o tapete absorveu seu sangue já... Sua primeira intenção é levantar-se. E ela levanta, levanta de um pesadelo ou de uma realidade ?
Pronto, agora sim, são dez horas... Naqueles últimos vinte minutos a mulher reviveu todo seu pavor de vida que vivia durante anos naqueles vinte minutos, sempre aguardando chegar as dez para ela ser tocada pela brutalidade delicada de seu marido... desta vez... ela se perguntava até que dimensão estaria sua capacidade de aguentar ainda mais aquilo... até que ela decidiu sair dois minutos antes, as nove e cinquenta e oito...



Desceu as escadas de casa e saiu no portão sem proibições, sem assombrações... virou e decidiu ir andar.
E fazer com que o marido fosse tocado desta vez pela delicadeza do arrependimento e da saudade desta vez, que são as dores mais dolorosas...

Aqueles vinte minutos levaram a mulher... aqueles vinte minutos que ela sempre esperou para ser brutalizada, aqueles vinte minutos fizeram chegar o marido dela... que ao não encontrá-la em casa decidiu refletir... refletir por vinte anos.

Até que sai a notícia... " MULHERES SÃO PRESAS PELA GUARDA ALEMÃ, JUDIAS VÃO PAGAR POR PECADOS, POR DESOBEDIÊNCIA."

O Senhor, o marido, reconhece sua esposa. E tendo arrependimento vai atrás dela. A mulher no campo de concentração está completamente entorpecida... doentia pela mente perturbada. Se sentindo excluída dos desígnios da paz... seu marido se aproxima e a ver diante de um relógio olhando para o pêndulo do relógio... ele fica vinte minutos observando-a, até tocar em sua cabeça raspada, sem seus sedosos cabelos que ele tanto já maltratou e toca nela. Toca nela e diz... " Vamos"

Ela olha para ele e diz... " O tempo acabou"
E desfalece em suas mãos, nas mãos do marido...

Diante dos vinte minutos, diante do pêndulo, diante da força das mãos do marido... a dama do sangue espectral desfalece... desfalece sem ter conhecido o tempo e a paz...

O Marido... sem ter conhecido a vitória de alguma coisa... perdeu tudo. 

1 comentários:

Rafael disse...

DEMAIS!

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